segunda-feira, julho 12, 2004

PRAGAS:UMA VISÃO ECOLÓGICA

PRAGAS: UMA VISÃO ECOLÓGICA

Paccelli M. Zahler

Sabemos que o trânsito de vegetais e suas partes contaminadas pode disseminar as pragas e as doenças da lavoura. Mas, somente ele é o responsável pelo aparecimento de pragas e doenças na agricultura? Não! E os estudos ecológicos têm mostrado por quê.
A Ecologia nasceu em 1866, quando o biólogo alemão Ernest Haeckel assim chamou a “ciência que estuda as relações entre o ser vivo e o meio em que ele se encontra”. Entretanto, foram necessários quase 100 anos para que a importância dessa ciência fosse reconhecida e para que ela passasse a fazer parte do dia-a-dia das pessoas.
Nestes últimos 30 anos, com a crescente industrialização e a degradação da qualidade ambiental, através de um uso cada vez maior de produtos químicos (especialmente na agricultura), e suas conseqüências (intoxicações, efeitos teratogênicos, mortes, aumento de resistência de pragas, poluição dos rios, lagos, desastres ecológicos), houve uma tomada de consciência por parte das pessoas, as quais passaram a lutar pela preservação ambiental, reunindo-se em grupos ecológicos. No mesmo período, ficou demonstrado que os recursos naturais são limitados e que, para que o homem possa utilizá-los sem extingui-los, garantindo a sua sobrevivência no planeta nas próximas décadas, precisa estudar técnicas de manejo adequadas, possibilitando a renovação dos mesmos.
O estudo ecológico inicia a partir de uma unidade básica chamada ecossistema ou sistema ecológico, pois inclui tanto os organismos (animais e vegetais) quanto o ambiente abiótico (solo, água e minerais). A energia necessária para sua manutenção provém do sol.
As diferentes populações de animais e vegetais estão adaptados às condições médias de clima e solo do ecossistema em que vivem e se influenciam mutuamente, mantendo o equilíbrio ecológico. Em determinadas ocasiões, todavia, o equilíbrio pode ser rompido pela ocorrência de condições climáticas favoráveis ou abundância de alimento, fazendo com que uma determinada população se sobreponha às outras por um certo tempo, retornando posteriormente à condição inicial.
Devido à diversidade de espécies, o equilíbrio ecológico é mais fácil de ser mantido dentro do ecossistema natural, pois, como os recursos ambientais são limitados (principalmente o alimento) e ocorre competição por esses recursos entre indivíduos da mesma espécie, além de sofrerem a ação de inimigos naturais, as populações de consumidores (insetos, ácaros) têm a sua taxa reprodutiva reduzida por não conseguirem atingir a maturidade sexual.
Com uma população humana cada vez maior, tem crescido a necessidade de produção de alimentos e com ela a necessidade de interferir no ecossistema natural através da agricultura. Esta interferência, por sua vez, não se dá de uma forma racional e planejada, levando em conta a capacidade de uso e renovação dos recursos naturais, apesar do amparo da legislação ambiental.
No caso brasileiro, a pretexto de expansão da fronteira agrícola e da “necessidade” de aproveitamento dos solos (como os do cerrado e da Amazônia) para a produção de alimentos, desmatam-se e queimam-se áreas imensas para a implantação de culturas exóticas, destinadas à exportação e não à alimentação como era o propósito inicial.
As conseqüências dessa forma de ocupação do território nacional têm sido a destruição de florestas nativas pelo desmatamento (por exemplo, Rondônia possuía 0,5% de sua área total desmatada em 1975, passando para 5,74% em 1983, prevendo-se a extinção de suas florestas na próxima década; 205 mil km² de florestas foram devastadas na região amazônica no ano de 1987), erosão do solo, desertificação (como em Alegrete e São Gabriel no Rio Grande do Sul, e algumas clareiras desertificadas em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goiás e Rondônia), poluição de rios, lagos e solos com fertilizantes e agrotóxicos; e o aumento da vulnerabilidade das áreas plantadas às mudanças climáticas e às pragas.
A interferência humana no ecossistema natural provoca a formação de ecossistemas artificiais chamados ecossistemas agrícolas ou agroecossistemas, os quais são projetados e gerenciados para canalizar uma conversão máxima de energia solar e de energia auxiliar (como trabalho humano e animal, fertilizantes, agrotóxicos, água de irrigação, combustível para maquinaria) em alimentos e fibras. Essa energia auxiliar também é usada na manutenção do agroecossistema (no caso do ecossistema natural, isto seria feito somente pela energia solar convertida diretamente em alimento).
São utilizadas também plantas e animais domésticos selecionados geneticamente de forma artificial e adaptados a otimizar a produção neste sistema agrícola subsidiado com energia. Além disso, as relações entre os organismos dentro do agroecossistema tem a sua complexidade diminuída, pois ao invés de várias populações de diferentes vegetais, passa-se a ter um só cultivo agrícola (monocultura), que geralmente não faz parte da flora da região.
Com a eliminação da vegetação nativa ou parte dela para plantio, elimina-se o habitat natural dos animais fitófagos, bem como o de seus inimigos naturais.
Passa-se a ter, em um determinado momento, uma abundância de alimento (representado pelo cultivo agrícola) disponível aos animais fitófagos (insetos e ácaros) abrigados no que restou da mata nativa ou introduzidos através do trânsito de vegetais contaminados ou infestados. Estes animais necessitam de sais minerais, glicídios, aminoácidos, lipídios, esteróis e vitaminas para crescer, atingir a maturidade sexual e produzir novos descendentes. Tais substâncias são encontradas nas folhas ou em outras partes do vegetal em determinados períodos do seu desenvolvimento; e isto irá determinar a especificidade do ataque de pragas sobre a raiz, o caule, as folhas, as flores ou frutos.
Entretanto, para que isto aconteça, o animal fitófago precisa se estabelecer na área de cultivo, sendo necessárias três condições:
1- que ele se desloque ou seja transportado para a nova área em condições viáveis;
2- que ele encontre condições ambientais propícias e o hóspede adequado; e
3- que as condições sejam adequadas para o seu desenvolvimento e reprodução no novo ambiente.

Cumpridos estes três requisitos, ter-se-á uma cultura atacada, cujas perdas na produção são difíceis de ser avaliadas porém estima-se que seja entre 30 e 35%.
Com a formação de um agroecossistema e a redução da competição entre as diferentes espécies de animais fitófagos, juntamente com a eliminação de seus predadores, parasitas ou patógenos e a abertura não criteriosa de uma área nativa, os três requisitos citados são mais fáceis de serem cumpridos. Isto porque a taxa reprodutiva dos fitófagos é mais alta que a dos seus hospedeiros e seu número tenderá a aumentar até o limite de suprimento de algum recurso essencial que, freqüentemente, é o alimento existente em abundância em uma monocultura.
Vê-se pois que as pragas não surgem por acaso na lavoura, mas são provocadas pelo manejo inadequado dos recursos naturais.
É imprescindível um investimento maior na pesquisa de métodos de cultivo menos agressivos ao meio ambiente, bem como incentivar o produtor rural a utilizar racionalmente os recursos naturais e a diversificar os cultivos agrícolas.


(Publicado no Suplemento do Campo do Jornal de Brasília n° 28, de 20/7/88, p. 6)

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